Com que sentimentos terá partido dali, de Oliveira de Azeméis, Ferreira de Castro, ainda criança, rumo ao desconhecido, para o longínquo Brasil, onde o esperava uma vida de terríveis sacrifícios, cheia de perigos, como sabemos ao ler uma das suas obras-primas "A Selva"? Com que peso no coração se terá acercado daquela pequena estação, escura, certamente gelada numa madrugada de Janeiro de 1911...
Pouco depois do seu centenário, também esta Linha do Vouga tem a sua sentença de morte anunciada para breve. Num acto de premonição, no ano passado, 2010, comecei a viajar em todas as linhas e ramais ferroviários com maior risco de encerrar. Assim, percorri a parte do Ramal de Cáceres, entre Torre das Vargens e Marvão-Beirã, e o trecho da Linha do Sul, entre Beja e a Funcheira. Já na Primavera deste ano de 2011, fui conhecer a Linha do Vouga, primeiro entre Oliveira de Azeméis e Espinho e depois entre Macinhata do Vouga e Aveiro. Parece que estava a adivinhar o que aí vinha... O Ramal de Cáceres já está encerrado e o troço entre Beja e Funcheira e toda a Linha do Vouga, têm o encerramento anunciado para breve! E já neste Outono, despedi-me da Linha do Leste, percorrendo-a desde Abrantes a Elvas, ao que parece, também pela última vez...
Mas voltando à Linha do Vouga, surpreendeu-me a razoável afluência de passageiros, especialmente sendo sábado. Partimos de Oliveira de Azeméis às 9,58 H, passando por S. João da Madeira, Stª Maria da Feira , Paços de Brandão, até Espinho, onde chegámos às 11H. É um percurso sem grande beleza paisagística, quase sempre por zonas urbanas, fortemente industrializadas, mas também com bons exemplos de arqueologia industrial... Chegados a Espinho, esperámos apenas para o comboio fazer a manobra necessária para voltar a percorrer o mesmo percurso em sentido contrário. Em sábado diferente, fomos percorrer o trajecto entre Sernada do Vouga e Aveiro. Apanhámos o comboio em Macinhata às 13,26H, dado que no regresso seria nesta estação o fim da viagem. Aqui existe um interessante museu ferroviário, que já havíamos visitado em ocasião anterior. O comboio segue junto ao rio Vouga durante breve trecho, afastando-se depois rumo a Águeda, cidade que atravessa. Faz de seguida uma inversão para norte, passando por baixo de um grande viaduto, do IC-2, continuando a sua viagem até Aveiro. A estação antiga de Aveiro é muito bonita, com belos painéis de azulejos. Há outra parte bem maior e muito mais moderna, que serve a linha do Norte que tem aqui uma das suas grandes estações. Como o comboio de regresso só partiria duas horas depois, decidimos ir passear pela cidade. Aveiro também mostra as marcas da crise económica. Inúmeras lojas fechadas, prédios em ruína, outros em degradação acentuada... Pouco depois das 16 H, fomos comprar os bilhetes de regresso para as 16,34H. Ficámos surpreendidos quando nos informaram não saber se haveria comboio pois talvez o maquinista fizesse greve às horas extraordinárias. Alguém explicou que ali todas as horas eram extraordinárias pois os maquinistas eram os mesmos da Linha do Norte, que asseguravam também aquela em horário extra! Que teríamos que entrar no comboio e logo se veria. Às 16,34H, com o motor parado e o comboio cheio, vieram avisar que afinal o maquinista não viria. Andava por ali a vaguear, mas não iria trabalhar. Furioso dirigi-me à bilheteira para reaver o dinheiro e barafustar com algumas frases menos agradáveis, entre as quais que se a linha fechasse não haveria mais horas extraordinárias para fazer. Mal sabia eu como estava a profetizar! Tivémos que aguardar pelo comboio seguinte, às 17,53H, na esperança de que este maquinista lhe apetecesse ir até Sernada do Vouga, o que veio a acontecer de facto.
Os comboios são relativamente rápidos para uma via estreita e têm bastante afluência, dado que há várias composições ao longo do dia e serve zonas bastante populosas, por isso é uma das linhas que não se compreende que encerre. Mas estas decisões não são para nós compreendermos. São decisões "técnicas e estratégicas" tomadas por políticos que pouco mais conhecem do país do que Lisboa, baseadas em estudos feitos por consultoras que têm ao seu serviço técnicos que nada sabem do país nem da vida e que não fazem a mínima ideia da importância que tem o comboio no contexto territorial, social, económico e de fixação da pouca população que ainda resiste fora dos grandes centros urbanos. Não dá lucro, fecha-se e pronto! Liquidam-se linhas centenárias, que na sua construção tiveram custos astronómicos, em dinheiro e em vidas humanas, único meio de deslocação das pessoas que vivem nas aldeias por elas servidas, tendo como único critério de aferição o do lucro ou do prejuízo, como se se tratasse de uma empresa privada. Por um lado encerram-se as linhas ferroviárias, por outro preparam-se portagens para veículos automóveis na entrada das cidades, em nome da protecção do ambiente! Viva a coerência...
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